A 3ª Câmara do TRT deu provimento parcial
ao recurso da reclamada, uma rede de supermercados de grande porte, que
não se conformou em pagar R$ 32 mil a uma ex-funcionária, vítima de
agressões e xingamentos de uma cliente. O colegiado julgou que o valor
fixado pela 3ª Vara do Trabalho de Bauru era excessivo e rearbitrou para
R$ 10 mil, mas considerou correta a responsabilização do supermercado
pelos danos morais sofridos por sua funcionária, uma fiscal de prevenção
de perdas, que, no entendimento da Câmara, nada mais fez do que cumprir
corretamente a obrigação para a qual foi contratada.
Dentre os argumentos em sua defesa, o supermercado afirmou que
“inexiste ato ilícito capaz de motivar a indenização arbitrada” e
defendeu que a fiscal “procedeu de forma contrária ao procedimento
padrão”. Segundo a empresa, a fiscal “teria seguido a cliente agressora
para fora do estabelecimento”. O supermercado contestou a aplicação da
responsabilidade objetiva e afirmou que, “por ocasião da agressão, os
demais funcionários intercederam para acalmar a cliente agressora”, o
que contradiz a tese de comportamento omissivo em relação aos fatos. A
reclamada alegou também que não há norma legal que a obrigasse a dar
suporte jurídico à trabalhadora para que esta ingressasse judicialmente
contra a cliente agressora. Disse ainda que toda a responsabilidade
pelos fatos “é exclusiva da cliente agressora, contra quem a reclamante
deveria ter ingressado”.
O relator do acórdão, desembargador José Pitas, ressaltou que os
fatos são “praticamente incontroversos”, destacando que “a reclamante
foi contratada como fiscal de prevenção de perdas, cuja atribuição
consiste em abordar os clientes que tentem deixar o estabelecimento da
reclamada na posse de produto pelo qual não tenham pago”.
O fato ocorreu no dia 27 de março de 2010, quando a fiscal, ao
exercer sua função, foi agredida física e verbalmente por uma cliente
que se ofendeu com a abordagem feita. Para a Câmara, há todos os
elementos para uma indenização, com “demonstração de dano, ato ilícito e
nexo causal, nos termos indicados pelo artigo 186 do Código Civil de
2002”.
A controvérsia, segundo o acórdão, reside no procedimento adotado
pela reclamante, que, segundo sustenta o supermercado, “não obedeceu ao
padrão por ela [a reclamada] imposto, eis que teria seguido a cliente
até a esquina tentando mantê-la no local”. Na versão da trabalhadora,
porém, a agressão aconteceu dentro do supermercado, logo após a
abordagem padrão.
O acórdão reconheceu que a questão levantada pelo supermercado é
relevante porque “seria capaz de excluir a sua responsabilidade”, pois
se restasse demonstrado que a fiscal “agiu de forma abusiva ao abordar a
cliente, desrespeitando o padrão imposto pela empresa, em tese estaria
caracterizada uma das causas de exclusão da responsabilidade,
consistente na culpa exclusiva da vítima”. Mas salientou que “não é o
que se apura dos autos”.
Conforme o boletim de ocorrência lavrado em 29 de março de 2010,
após declarações prestadas pela fiscal do supermercado e testemunhadas
pelo preposto da reclamada, “as agressões teriam ocorrido dentro do
supermercado”. O texto do BO afirma que a funcionária trabalhava na
tarde de sábado quando “adentrou a averiguada, com a bolsa entreaberta,
colocando em seu interior um bloqueador solar, marca Nívea”. A cliente
passou pelo caixa e não efetuou o pagamento, e por isso a fiscal
resolveu abordá-la, indagando “se ela não tinha esquecido de pagar
algo”. A cliente se exaltou e começou a dizer que não ia mostrar sua
bolsa a ninguém, “somente na presença de policiais”, e passou a ofender
moralmente a vítima, com palavras de baixo calão, tais como “vagabunda,
biscate”. Em seguida, começou a agredir fisicamente a fiscal com socos e
unhadas, não deixando que ninguém revistasse a bolsa e saindo do local.
A Polícia Militar foi acionada, porém a cliente não aguardou. Antes
da chegada da polícia, a cliente retornou ao supermercado sem a bolsa,
ofendendo e agredindo fisicamente a vítima. Minutos depois a polícia
chegou, e a cliente foi qualificada.
O acórdão ressaltou que a tese do supermercado, de que a fiscal
teria abordado a cliente agressora fora da empresa, “surgiu apenas após a
oitiva das testemunhas em audiência”. As testemunhas da trabalhadora
afirmaram que “a agressão se deu dentro do supermercado”, enquanto as
testemunhas da empresa afirmaram que “os fatos ocorreram fora, em razão
de a obreira ter seguido a cliente”.
De qualquer forma, a decisão colegiada entendeu que, por ter sofrido
lesões de ordem física e verbal ao desenvolver corretamente a função
para a qual foi contratada, a trabalhadora deve ser indenizada pela
empresa pelos danos, ainda que esses danos tenham sido causados por
cliente da empresa. O acórdão reconheceu que “a atividade desenvolvida
pela reclamante, implicitamente, sujeita quem a exerce ao risco de
sofrer represálias, verbais ou físicas, por parte dos clientes”,
especialmente porque, “ainda que de forma indireta, as pessoas abordadas
estão sendo acusadas de praticar um ilícito penal, e tal situação, por
si só, provoca diversos sentimentos ‘incendiários’, tais como tensão e
indignação”. Por isso, ressaltou que “reações como as que foram narradas
nos autos, embora não desejadas, devem ser esperadas pelo supermercado,
que tem o dever de criar mecanismos de proteção àquele funcionário
encarregado de abordar clientes suspeitos de furto”.
Quanto à responsabilidade objetiva, contestada pela empresa, o
acórdão ressaltou que “o risco em questão é inerente à atividade
exercida pela funcionária”, o que configura, nos termos do parágrafo
único do artigo 927 do Código Civil de 2002, observou a decisão
colegiada, a “obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”.
O acórdão destacou que “o texto de lei é claro ao afirmar que, se a
atividade, por sua natureza, implicar risco, o dever de indenizar
independe de culpa”. Acrescentou que “não se pode olvidar que a
abordagem é direcionada a um potencial criminoso, em flagrante delito, o
que o diferencia radicalmente daquele cliente comum, que se dirige ao
supermercado com a finalidade de comprar as mercadorias, pois aquele
está maculado com a intenção criminosa, e sua reação, diante da
abordagem, pode ser agressiva, tal como ocorreu no presente caso”.
Em conclusão, o acórdão afirmou que a empresa, “ao exigir que seus
funcionários fiscalizem a subtração indevida de mercadorias, deve
garantir, de forma efetiva, a segurança do procedimento, não os
sujeitando ao risco de represália por parte dos clientes”. A decisão
colegiada adotou a teoria da culpa objetiva em razão do risco implícito
na atividade, entendendo também que “a reclamada se omitiu ao não
contratar funcionários de segurança, agindo, portanto, com culpa,
devendo responder pelos danos sofridos pela reclamante, restando mantida
a sentença de origem quanto à responsabilidade”.
Com relação ao valor arbitrado, contudo, o acórdão entendeu que
deveria haver redução, pois “ainda que a dignidade da reclamante tenha
sido arranhada, o valor arbitrado, R$ 32 mil, extrapola os limites da
razoabilidade, culminando em enriquecimento da parte autora, o que não
corresponde à finalidade da indenização em questão”.
A Câmara afirmou que não deixou de considerar que a empresa é uma
rede de supermercados de grande porte e também que a trabalhadora
recebia mensalmente R$ 799, tendo prestado serviços ao supermercado por
pouco mais de um ano. Com base nisso, entendeu que R$ 10 mil “equivalem a
aproximados 12 salários da obreira, valor suficiente a reparar o dano
sofrido pela autora e a causar incômodo financeiro à reclamada, como
forma de coibição”.
(Processo 0000777-18.2010.5.15.0090 – RO)
Ademar Lopes Junior (FONTE: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=12954)
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