domingo, 23 de setembro de 2012

Supermercado é condenado a indenizar fiscal que sofreu agressões e xingamentos de cliente

A 3ª Câmara do TRT deu provimento parcial ao recurso da reclamada, uma rede de supermercados de grande porte, que não se conformou em pagar R$ 32 mil a uma ex-funcionária, vítima de agressões e xingamentos de uma cliente. O colegiado julgou que o valor fixado pela 3ª Vara do Trabalho de Bauru era excessivo e rearbitrou para R$ 10 mil, mas considerou correta a responsabilização do supermercado pelos danos morais sofridos por sua funcionária, uma fiscal de prevenção de perdas, que, no entendimento da Câmara, nada mais fez do que cumprir corretamente a obrigação para a qual foi contratada.

Dentre os argumentos em sua defesa, o supermercado afirmou que “inexiste ato ilícito capaz de motivar a indenização arbitrada” e defendeu que a fiscal “procedeu de forma contrária ao procedimento padrão”. Segundo a empresa, a fiscal “teria seguido a cliente agressora para fora do estabelecimento”. O supermercado contestou a aplicação da responsabilidade objetiva e afirmou que, “por ocasião da agressão, os demais funcionários intercederam para acalmar a cliente agressora”, o que contradiz a tese de comportamento omissivo em relação aos fatos. A reclamada alegou também que não há norma legal que a obrigasse a dar suporte jurídico à trabalhadora para que esta ingressasse judicialmente contra a cliente agressora. Disse ainda que toda a responsabilidade pelos fatos “é exclusiva da cliente agressora, contra quem a reclamante deveria ter ingressado”.

O relator do acórdão, desembargador José Pitas, ressaltou que os fatos são “praticamente incontroversos”, destacando que “a reclamante foi contratada como fiscal de prevenção de perdas, cuja atribuição consiste em abordar os clientes que tentem deixar o estabelecimento da reclamada na posse de produto pelo qual não tenham pago”.

O fato ocorreu no dia 27 de março de 2010, quando a fiscal, ao exercer sua função, foi agredida física e verbalmente por uma cliente que se ofendeu com a abordagem feita. Para a Câmara, há todos os elementos para uma indenização, com “demonstração de dano, ato ilícito e nexo causal, nos termos indicados pelo artigo 186 do Código Civil de 2002”.

A controvérsia, segundo o acórdão, reside no procedimento adotado pela reclamante, que, segundo sustenta o supermercado, “não obedeceu ao padrão por ela [a reclamada] imposto, eis que teria seguido a cliente até a esquina tentando mantê-la no local”. Na versão da trabalhadora, porém, a agressão aconteceu dentro do supermercado, logo após a abordagem padrão.

O acórdão reconheceu que a questão levantada pelo supermercado é relevante porque “seria capaz de excluir a sua responsabilidade”, pois se restasse demonstrado que a fiscal “agiu de forma abusiva ao abordar a cliente, desrespeitando o padrão imposto pela empresa, em tese estaria caracterizada uma das causas de exclusão da responsabilidade, consistente na culpa exclusiva da vítima”. Mas salientou que “não é o que se apura dos autos”.

Conforme o boletim de ocorrência lavrado em 29 de março de 2010, após declarações prestadas pela fiscal do supermercado e testemunhadas pelo preposto da reclamada, “as agressões teriam ocorrido dentro do supermercado”. O texto do BO afirma que a funcionária trabalhava na tarde de sábado quando “adentrou a averiguada, com a bolsa entreaberta, colocando em seu interior um bloqueador solar, marca Nívea”. A cliente passou pelo caixa e não efetuou o pagamento, e por isso a fiscal resolveu abordá-la, indagando “se ela não tinha esquecido de pagar algo”. A cliente se exaltou e começou a dizer que não ia mostrar sua bolsa a ninguém, “somente na presença de policiais”, e passou a ofender moralmente a vítima, com palavras de baixo calão, tais como “vagabunda, biscate”. Em seguida, começou a agredir fisicamente a fiscal com socos e unhadas, não deixando que ninguém revistasse a bolsa e saindo do local.

A Polícia Militar foi acionada, porém a cliente não aguardou. Antes da chegada da polícia, a cliente retornou ao supermercado sem a bolsa, ofendendo e agredindo fisicamente a vítima. Minutos depois a polícia chegou, e a cliente foi qualificada.

O acórdão ressaltou que a tese do supermercado, de que a fiscal teria abordado a cliente agressora fora da empresa, “surgiu apenas após a oitiva das testemunhas em audiência”. As testemunhas da trabalhadora afirmaram que “a agressão se deu dentro do supermercado”, enquanto as testemunhas da empresa afirmaram que “os fatos ocorreram fora, em razão de a obreira ter seguido a cliente”.

De qualquer forma, a decisão colegiada entendeu que, por ter sofrido lesões de ordem física e verbal ao desenvolver corretamente a função para a qual foi contratada, a trabalhadora deve ser indenizada pela empresa pelos danos, ainda que esses danos tenham sido causados por cliente da empresa. O acórdão reconheceu que “a atividade desenvolvida pela reclamante, implicitamente, sujeita quem a exerce ao risco de sofrer represálias, verbais ou físicas, por parte dos clientes”, especialmente porque, “ainda que de forma indireta, as pessoas abordadas estão sendo acusadas de praticar um ilícito penal, e tal situação, por si só, provoca diversos sentimentos ‘incendiários’, tais como tensão e indignação”. Por isso, ressaltou que “reações como as que foram narradas nos autos, embora não desejadas, devem ser esperadas pelo supermercado, que tem o dever de criar mecanismos de proteção àquele funcionário encarregado de abordar clientes suspeitos de furto”.

Quanto à responsabilidade objetiva, contestada pela empresa, o acórdão ressaltou que “o risco em questão é inerente à atividade exercida pela funcionária”, o que configura, nos termos do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, observou a decisão colegiada, a “obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

O acórdão destacou que “o texto de lei é claro ao afirmar que, se a atividade, por sua natureza, implicar risco, o dever de indenizar independe de culpa”. Acrescentou que “não se pode olvidar que a abordagem é direcionada a um potencial criminoso, em flagrante delito, o que o diferencia radicalmente daquele cliente comum, que se dirige ao supermercado com a finalidade de comprar as mercadorias, pois aquele está maculado com a intenção criminosa, e sua reação, diante da abordagem, pode ser agressiva, tal como ocorreu no presente caso”.

Em conclusão, o acórdão afirmou que a empresa, “ao exigir que seus funcionários fiscalizem a subtração indevida de mercadorias, deve garantir, de forma efetiva, a segurança do procedimento, não os sujeitando ao risco de represália por parte dos clientes”. A decisão colegiada adotou a teoria da culpa objetiva em razão do risco implícito na atividade, entendendo também que “a reclamada se omitiu ao não contratar funcionários de segurança, agindo, portanto, com culpa, devendo responder pelos danos sofridos pela reclamante, restando mantida a sentença de origem quanto à responsabilidade”.

Com relação ao valor arbitrado, contudo, o acórdão entendeu que deveria haver redução, pois “ainda que a dignidade da reclamante tenha sido arranhada, o valor arbitrado, R$ 32 mil, extrapola os limites da razoabilidade, culminando em enriquecimento da parte autora, o que não corresponde à finalidade da indenização em questão”.

A Câmara afirmou que não deixou de considerar que a empresa é uma rede de supermercados de grande porte e também que a trabalhadora recebia mensalmente R$ 799, tendo prestado serviços ao supermercado por pouco mais de um ano. Com base nisso, entendeu que R$ 10 mil “equivalem a aproximados 12 salários da obreira, valor suficiente a reparar o dano sofrido pela autora e a causar incômodo financeiro à reclamada, como forma de coibição”.

(Processo 0000777-18.2010.5.15.0090 – RO)

Ademar Lopes Junior (FONTE: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=12954)

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