Segundo o texto do acórdão a mulher renunciou,
expressamente e em caráter irrevogável, aos alimentos. No entanto, mesmo
com a renúncia da ex, o ex-companheiro começou a pagar alimentos
mensalmente e em janeiro de 2004 o ex-companheiro deixou de prestar-lhe
esse valor mensal. A mulher ingressou com a ação de alimentos
provisórios que vieram a ser fixados no valor de R$ 17.000,00 mensais e
posteriormente reconsiderados. A renúncia a alimentos gera divergências
jurisprudenciais e doutrinárias, o advogado Luiz Edson Fachin, diretor
nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
comentou a decisão.
Na opinião do senhor, a renúncia a alimentos é válida?
R.: A validade não é o cerne da questão. Para responder a
pergunta, é possível dizer que sim, a renúncia, em tese, pode ser
compreendida como válida. O cerne da questão não está no plano da
validade e sim no campo da eficácia. Em determinados casos,
objetivamente considerados à luz das circunstâncias concretas (por
exemplo, necessidade vital posterior à renúncia), é possível
estabelecer, com base no ordenamento jurídico brasileiro, limites à
projeção eficacial de uma renúncia válida. A renúncia, então, pode ser
válida, mas deixar de produzir seus efeitos, no todo ou em parte, diante
de fatos objetivamente comprováveis, daí porque incide em equívoco a
decisão que impede o processamento de ação de alimentos, pois somente na
instrução probatória é que tais fatos serão (ou não) comprovados.
Por que existem divergências jurisprudenciais e até doutrinária quanto a renúncia a alimentos?
R.: Duas são as razões fundamentais, em meu ver. Em
primeiro lugar, porque as percepções teóricas e práticas sobre validade e
eficácia da renúncia são deficientes. Tais conceitos aparecem
confundidos no entremeio de falta de nitidez e de precisão. Em segundo
lugar, porque as mutações plurais na ambiência do Direito das famílias
tem sido captadas apenas parcialmente até o momento pelo Poder
Judiciário brasileiro; neste sentido, como a igualdade não afasta o
reconhecimento das diferenças, impende ainda construir, nomeadamente nas
questões de gênero, sentidos próprios de alimentos, renúncia, liberdade
e responsabilidade. Em outras palavras: a hermenêutica voluntarista que
chancela a plena validade e eficácia da renúncia a alimentos como se
fosse um valor por si só, sem se atentar para o caso concreto, não raro
vai de encontro à situação fática da mulher.
Nesse caso específico, mesmo com a renúncia a
alimentos, o ex-companheiro continuou pagando alimentos. Como fica o
venire contra factum proprium (vedado comportamento contraditório)?
R.: O comportamento concludente tem valor constitutivo de
situações jurídicas. No choque entre a previsão em abstrato de um dever
jurídico ou de um direito subjetivo e o comportamento concreto das
partes, será este (o comportamento) juridicamente valorado para se
sobrepor àquele. Portanto, há certa forma desupressio diante do
comportamento em pauta. Logo, o ex-companheiro que paga alimentos, após a
renúncia, assume objetivamente a posição de devedor, ao contrário do
que foi acolhida pelo voto majoritário no acórdão em pauta.
A ministra relatora, em voto vencido, considerou
que seria possível, ao menos em princípio, ponderar que esse dever,
originariamente não previsto no acordo de dissolução da união estável,
tenha sido gerado num ambiente de boa-fé objetiva pós-contratual. O
senhor concorda que neste caso poderia ser invocado o princípio da boa
-fé?
R.: Sim, sem dúvida. Com inteira razão a Ministra
relatora, ainda que vencida no julgamento colegiado em pauta. Há,
inequivocamente, uma projeção eficacial pós-pacto da relação jurídica, e
nessa ambiência de pós-contratualidade incide a boa-fé objetiva que
emerge de cumprimento de pensionamento alimentar. É uma erronia
cogitar-se de mera liberalidade em tal hipótese, pois se trata de um
comportamento que gera dever jurídico e infirma o sentido da renúncia
anterior.
Entendendo que os alimentos provisórios/
compensatórios devem levar em conta o binômio “necessidade e
possibilidade”, neste caso, não gera obrigação alimentar, como afirmou o
ministro Massami Uyeda (aposentado), em seu voto?
R.: Com o devido respeito, o posicionamento majoritário
não encontra abrigo no ordenamento jurídico brasileiro, tanto à luz do
Código Civil (quer do vigente, quer do anterior, de 1916), quanto sob os
princípios constitucionais normativos. A renúncia, por si só, não é
prova de ausência de necessidade. Este elemento somente pode ser
inferido à luz do caso concreto, e na hipótese, dever-se-ia possibilitar
o prosseguimento da demanda para o fim de apurar tal circunstância na
instrução probatória.
fonte: http://www.ibdfam.org.br/novosite/imprensa/noticias-do-ibdfam/detalhe/4990
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